quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Da cor da canela






Da cor da canela


Lá vai a morena bonita!

Caminha na areia, ligeira e dengosa.

Leva no corpo a cor do pecado e planta sorrisos nos seus caminhos.

Esconde o desejo nos cachos do cabelo, enquanto se lava no azul do mar.

Há nela uma beleza doce e feiticeira, serena como a água de um rio.

Morena da cor da canela e lábios de mel, é pura sedução!

Traz abraços e beijos no colo; no peito leva saudade e sonhos.

No calor dos seus olhos há remédio para qualquer dor.

Brinca com o vento na maré vazia e o sol rende-se à sua beleza de mulher-menina, quando a vê sereia, deitada na areia.

Cigana que dança no mar e encanta os peixes com a sua canção.

De flor no cabelo, lá está a morena bonita na praia, à espera que a lua chegue para lhe dar um beijo.


quinta-feira, 10 de junho de 2010

No império dos sentidos

Voo nas asas de um pássaro para pousar de novo em ti. Já nem sei o porquê, porém atrais-me como a flor atrai a borboleta!
Devassas-me corpo e alma, num império de sentidos, derrubando uma a uma todas as defesas construídas com cuidado.
Olhas-me com cobiça. Inquietas-me!
Lambes-me a pele quente, como um gato lambe um prato de leite, com gula e propriedade. E trememos em noites vadias, ouvindo baladas loucas, enquanto dançamos à lua.
Invade-nos um cheiro doce que nos vai consumindo, enquanto o sol se deita sobre o mar.
Fica-nos o gosto de frutos de verão na boca, o cheiro de flores silvestres no cabelo e o segredo das marés no corpo, num vai e vem incansável que nos deixa marcas de salitre na pele.
Enfeitaste-me com palavras e embalaste-me com dois braços cheios de ternura.
Mas hoje, no canto do meu sorriso, trago uma saudade longa e nos olhos um mar de acusações mudas, de promessas e desejos por cumprir. Guardo o azul da nossa história, mas vou desdobrando dias e noites com as mãos vazias de ti, quando queria as tuas pousadas no meu ventre toda a noite.
Deixas em mim um buraco do tamanho que precisas para partir, numa doce vaga que me leva o sonho. Não há abraço que te guarde, por maior que seja.
Fico a guardar o cheiro do mar e o sabor do vento, porque há gritos que não consigo conter.
Tudo na vida é recomeço e o mundo voltará a dar sinal. As ondas vão e voltam...
Deixo-te os beijos do mar que adoro e o abraço de uma estrela algures perdida no céu...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Filhos de um Deus Menor

Menino de face morena e macia, roubam-te do olhar os sonhos de criança. Trocam-te os contos de fadas, por tristes histórias dos mártires de Alá.

Os teus braços não abraçam peluches, seguram armas e armadilhas, bombas e explosivos. O perigo é o teu brinquedo!

Essa cara de menino será o rosto assustador desta era sombria, por detrás de um véu de horror indizível.

Serás a nova geração do homem-bomba, porque te prometem o paraíso em troca da tua vida de criança. Quem assim te sacrifica, é filho de um radicalismo insano! Fanáticos que usam a religião para manter um estado de terror. E desta fúria sem rédeas nascem sementes de vingança, acende-se o rastilho de um ódio feito de dor.

E tu, ainda menino, serás desfeito numa qualquer rua suja e deserta. Sei que entre lágrimas de tristeza, te vou ver despedaçado nos jornais vespertinos, logo que a manhã chegar. Entre imagens de pânico e desepero, entre vítimas e sobreviventes, ninguém se lembrará que tiveste uma alma feita de luz, que partiste cedo demais, porque um anjo de asa negra te veio buscar.

Perdeste o futuro e ninguém pensou em te embalar. Em vez de colo tiveste buracos de areia, num treino bizarro para te tornares um "guerreiro de Deus".

Cada gota do teu sangue vai regar uma vez mais a terra do ódio.

Eu, recordarei um espírito de criança que outrora sonhou e alguém enganou com falsas promessas. E choro-te, por teres nascido Filho de um Deus Menor!

terça-feira, 16 de março de 2010

Obrigada Ricardo!


Agradeço o presente do blogue Poema e Filosofia.

Devo responder a 3 questões e passar a três outros blogues que considere merecedores.
1. Por que acha que mereceu este selo?

R: Nem sei! O Ricardo é sempre uma simpatia nos comentários que faz aos meus textos. Talvez ache graça aos meus contos :))


2. Na sua opinião, qual o post do seu blogue que acha mais merecedor de um prémio?


R: Vejo o blogue como um todo, não acho nenhum post melhor que outro. No entanto houve alguns contos que adorei fazer.


3. Do blogue que me indicou, o que mais me agrada? Ele merecia o blog de ouro?


R: Sem dúvida que merecia! Se não fosse ele a indicar-me seria um dos que eu indicaria para este selo. É um blogue incisivo e intenso! Os poemas do Ricardo têm uma estética própria, diferente do habitual. São muito originais. Acho que ele mede muito bem o que diz, jogando com as palavras de uma forma maravilhosa.

E passo este prémio a:


Searas de Versos

1000 Conversas

António Gallobar

terça-feira, 2 de março de 2010

Vadio

Triste, roto, esfarrapado,
mero espectro de gente,
errante, vadio, esgotado,
tenta ser sobrevivente.

Sedento, exausto, perdido,
é marginal e vagabundo.
Solitário, enlouquecido,
É um "bicho" deste mundo.

Arrasta-se pela rua, furtivo.
É eco da própria história.
A má sorte fê-lo cativo.
De risos não tem memória.

Nós damos sopa, café, pão coado,
algo que sabemos ser pouco
a quem o sonho foi roubado
e a miséria torna louco!

É vê-lo estendido no chão,
a noite a fazê-lo gelado.
Cobre-se com placas de cartão
e no meio da escuridão,
adormece esfomeado.

Hipócrita, cínico, imoral,
falso, odioso, o "bom cristão"!
Marca presença na igreja,
mas ao pobre não estende a mão!

É rápido a condenar,
o dedo aponta com destreza,
mas nunca o mandem ajudar,
pode-lhe fugir a riqueza!

Tire-se o véu do certo e do errado
que pesa sobre gente perdida
e o vagabundo desdentado,
outrora um menino amado,
pode voltar a ter vida!



Estes versos foram inspirados num texto fantástico do Pedro Viegas no 1000 Conversas- "Na viela da saudade"

segunda-feira, 1 de março de 2010

O espelho

Olhava a sua imagem reflectida no espelho, em jeito de balanço de uma vida.

Caracóis prateados e abundantes emolduravam-lhe o rosto de expressão benevolente e serena.

Uma silhueta esbelta mostrando ainda sinais de graciosidade.

Longe iam os tempos de angústia e as desilusões sofridas com amores do passado. Ali estava agora perdida em memórias, com um sorriso no canto dos lábios. Lábios onde sempre guardava beijos preciosos para distribuir nas bochechinhas daqueles seres pequeninos, saltitantes e meigos.

Eram fontes de alegria que a envolviam sempre em abraços apertados, enquanto lhe diziam : "Cheira tão bem avózinha! Que bolinho fizeste hoje para o lanche?"

Preenchiam-lhe o colo enquanto contavam segredos, sabendo que eram ouvidos sem pressa por um coração cheio de sábios conselhos e repleto de ternura, no qual tinham lugar cativo.

"Vais ver-nos jogar este fim de semana avó? Vamos ganhar aquele jogo só para ti! Também vamos ter muitas taças como tu avó!"

Aquele brilho nos olhos, a expressão de confiança, a emoção e o entusiasmo que lhe traziam...os seus netos, as estrelas do seu céu, naquela vida onde não faltaram sobressaltos.

Recordou, perdida no tempo, a conquista diária da sua tranquilidade. Aquele amor único, que lhe foi oferecido de forma incondicional. Um amor sem egoismos que lhe permitiu resgatar a melhor versão de si própria após tanto desgaste vão.

Esse amor que agora lhe entrava no quarto e a abraçava, formando naquele espelho um quadro cúmplice e encantador.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Quero um cheirinho de azul

Lua faceira, minha velha amiga...diz-me, os sonhos para onde vão?
Eu não sonhei com cordas para amarrar a alegria; não quero ter medo da noite ter fim; não quero verdades incertas nem farrapos de sonhos.
Sonhei acordar com a voz do mar e o corpo embriagado de desejo; sonhei trocar segredos e palavras de mel; sonhei sacudir estrelas e apanhar purpurinas; quero dançar descalça na areia, como se não houvesse amanhã; quero que o meu coração voe com as asas de mil fadas traquinas; quero um entendimento sereno e a cumplicidade de alguém que se deixe tocar; quero o refúgio de um abraço seguro em manhãs quentes com café; quero algo tão genuino como um sorriso de ternura.
Mas se tiver de partir não digo adeus! Apanho a sétima onda sem tocar na areia e vou conhecer a secreta noite dos peixes. Serei embalada pelo suave ondular do mar. Deixo um frasco de perfume vazio que continuará a largar cheiro.
Lua, minha velha amiga, acende o meu sonho!
Amanhã é um novo dia, mas eu quero dias com cheirinho de azul!

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Passos ao luar







A brisa varria a costa enquanto as ondas vinham, leves e ritmadas, reclamar a lisura e a maciez da areia branca.
A água brilhava como prata e a lua descia sobre um poço de paz, acendendo-se no mar como um desejo.
Parecia-lhe vê-la ainda ali, a pairar, fazendo a dança do vento com flores penduradas no cabelo e o ventre salpicado de beijos.
O sol a banhar-lhe a pele morena, cor da canela. Rosto oval, emoldurado por caracóis escuros. Morena, menina, dourada, serena e inquieta, a quem sempre se rendia entre o segredo da noite e o sol da manhã.
Tinha presente cada beijo, cada abraço e uns olhos cálidos de mel e de cacau.
Perfume quente, doce e feiticeiro, que se enrolava no corpo como fitas de seda, fazendo-o prisioneiro daquela beleza morena. Seduzia-se só de a adivinhar em indefesas madrugadas.
Morena que passeia na praia e inventa passos ao luar; que sonha e descobre atalhos para o paraíso enquanto se olha no espelho do mar.
Estava ali de olhos fechados, num abismo de tempo silencioso, moldando-a no escuro, fazendo-a escultura no pensamento. Procurava-a em pedaços recortados de alegria transbordante. Morria de morte lenta no desejo, vivendo entre a tempestade e a bonança, entre si e a realidade.
A morena voara na brisa da maré vazante, brincando com o vento. Levara o cheiro da flor e a cor da beleza, deixando os búzios virados para Norte.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Um dia conheci-te...desconhecido!



Era noite e o céu estava de um azul de fantasia.
A sombra de um homem movia-se lentamente num jardim.
Umas asas bateram ao de leve, sem fazer barulho, escondendo-se nas sombras gentilmente oferecidas pelas árvores.
Curiosa espreitava, já encantada com o que ia observando. Reconhecê-lo-ia em qualquer lugar, mesmo passados tantos anos. Observava-lhe a expressão concentrada, de quem tem algo importante a decidir.
Ele, imaginando-se só, deixou cair a máscara, revelando o ar atormentado de uma solidão disfarçada de auto-suficiência.
Não conseguindo resistir aproximou-se, imprudente.
Uma nuvem traiçoeira tapou o luar. Foi apenas por um instante, mas foi o suficiente para bater num ramo e cair desastradamente na sua frente.
O susto e o espanto foram mútuos.
Ela corou de vergonha e ele riu-se descaradamente do seu ar contrariado e descomposto!
-O que foi?! Ripostou ela, levantando-se e empinando o nariz...- Não me reconheces? Já não acreditas em fadas?
-Em tempos acreditei, sim. Mas depois...cresci.
-Grande tolo! É por isso que os teus desejos não se realizam! Já não acreditas neles!
-O que sabes tu dos meus desejos, ó sua fadinha reguila?
Ela riu-se trocista...
-Ora! Continuas com a mania...eu sou uma fada! E das boas, se queres saber.
-Nota-se, voas como um morcego pitosga! Hahahaha...mas dizes que já nos conheciamos?!
-Cresceste mesmo - constatou ela tristemente - eu era a TUA fada, aquela a quem encomendaste os teus sonhos!
-Então conta-me lá...para onde foram os meus sonhos? Aproxima-te, vem contar-mos ao ouvido...-acrescentou, não resistindo a provocá-la.
-Pois fica sabendo que vim exactamente com essa missão. - afirmou ela convicta - Tu guardaste os teus sonhos e não te lembras onde. Cobriste-os e disfarçaste-os com coisas sem importância e eles não gostam de ser escondidos, vão-se! Por isso vives perdido, com saudades deles...eu vim para te ajudar a encontrá-los.
-E porque te foste embora?
-Foste tu quem me mandou embora, quando decidiste CRESCER! - declarou amuada...-Mas ontem ouvi-te dizer que adoravas voltar aos teus tempos de criança...pois então, aqui estou! Voltei!!
-Hum...e como vais tu ajudar-me a encontrar esse tesouro perdido?
-Ora, como se não soubesses...tens que me deixar entrar de novo dentro de ti e procurar...-disse ela com ar guloso.
-Ok, vamos a isso então. Como entras?
-Fecha os olhos,...descontrai-te e pensa em coisas boas, doces, alegres, travessuras, diabruras, algodão doce e gelados de chocolate....psstt...
-Ei! Onde te meteste?
-Já cá estou, dentro de ti. Não sentes as cócegas? Já te esqueceste?...Um dia conheci-te, desconhecido!...Muito bem, os teus sonhos estão aqui, na minha mão, já os encontrei...
-Ok, agora podes sair, por favor? Não gosto que me vejam assim, por dentro!
-Certo, já sabes o que tens a fazer...diabruras e travessuras, bolos, chocolates, rebuçados, caramelos, gomas deliciosas...ups, já estou cá fora!
-Fada gulosa e comilona, só pensas em doces! Ficas comigo agora? Não voltas a partir? Não quero voltar a perder os meus sonhos...
-Então não os escondas de novo! Um sonho também gosta de se sentir importante...e eu fico sim, se prometeres que não me cortas as asas...