segunda-feira, 1 de março de 2010

O espelho

Olhava a sua imagem reflectida no espelho, em jeito de balanço de uma vida.

Caracóis prateados e abundantes emolduravam-lhe o rosto de expressão benevolente e serena.

Uma silhueta esbelta mostrando ainda sinais de graciosidade.

Longe iam os tempos de angústia e as desilusões sofridas com amores do passado. Ali estava agora perdida em memórias, com um sorriso no canto dos lábios. Lábios onde sempre guardava beijos preciosos para distribuir nas bochechinhas daqueles seres pequeninos, saltitantes e meigos.

Eram fontes de alegria que a envolviam sempre em abraços apertados, enquanto lhe diziam : "Cheira tão bem avózinha! Que bolinho fizeste hoje para o lanche?"

Preenchiam-lhe o colo enquanto contavam segredos, sabendo que eram ouvidos sem pressa por um coração cheio de sábios conselhos e repleto de ternura, no qual tinham lugar cativo.

"Vais ver-nos jogar este fim de semana avó? Vamos ganhar aquele jogo só para ti! Também vamos ter muitas taças como tu avó!"

Aquele brilho nos olhos, a expressão de confiança, a emoção e o entusiasmo que lhe traziam...os seus netos, as estrelas do seu céu, naquela vida onde não faltaram sobressaltos.

Recordou, perdida no tempo, a conquista diária da sua tranquilidade. Aquele amor único, que lhe foi oferecido de forma incondicional. Um amor sem egoismos que lhe permitiu resgatar a melhor versão de si própria após tanto desgaste vão.

Esse amor que agora lhe entrava no quarto e a abraçava, formando naquele espelho um quadro cúmplice e encantador.

2 comentários:

  1. Também vou querer essa serenidade no futuro.
    Avós e netos, uma cumplicidade que faz com que ambos ganhem!

    Bjo

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  2. Este texto está lindo...a tua escrita é digna de um bom romance!

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