segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A árvore

Quem segue pelo bosque, levando jeito de cigana no andar?
Desliza entre o arvoredo, com os cabelos a voar na brisa. A sua expressão é triste, leva na face o brilho das lágrimas. No entanto tem nos olhos a força da luta e a garra próprias da vitória. Caminha com um misto de convicção e doçura.

Entra numa clareira e detém-se, procurando algo que me escapa. Acaba por pousar as suas mãos, pequenas e morenas numa árvore imponente e majestosa. Vejo a árvore acordar lentamente e a envolvê-la com os seus braços cheios de verde folhagem. Os ramos oscilam chamando o vento e juntos sopram-lhe canções de embalar.

Ela enrosca-se naquele abraço e repousa, como se ali encontrasse o colo que tanto procura e lhe falta. Fala baixinho e a árvore escuta aquela filha, cheia de carinho e atenção. Ela conta-lhe a história das suas lutas e mostra-lhe como os seus sonhos são bonitos e cheios de poesia. E a árvore escuta...

Muda de espanto vejo como a árvore a aconselha, como de certeza já fez a todas as almas que a procuraram. Quantos lamentos já não terá ouvido, quantos conselhos não terá dado, sorrindo, reconhecendo aqui e ali os mesmos sinais, o mesmo desvario. A árvore desfolha o seu livro de memórias e conta-lhe que o amor e a paixão podem ser como farpas atravessadas. Ensina-lhe como se pode morrer numa morte lenta, no desejo. Mas também como se podem abafar gritos com beijos e transformar incertezas em segurança. Conta-lhe que todos têm direito aos seus sonhos e a não deixar que o tempo os devore, tal como devora todos os seus filhos.

Então aquela árvore, do alto da sua experiência secular, consultou a lua como se fosse uma bola de cristal e revelou-lhe que o seu futuro estava envolto num segredo; que nesse segredo estava a ponta do medo; que esse medo devorava os beijos deixando silêncios...

Depois entoou cânticos mágicos e proibidos e jogou búzios para lhe mudar a sorte.

Aquela árvore rezou ao sol, que é tão poderoso que até ilumina os dias, que amaciasse o caminho daquela filha.

Ambas adormeceram por fim, enroladas num abraço cúmplice, terno e nocturno como a lua.

8 comentários:

  1. Valha-nos a certeza que existe uma "árvore" na vida de todos nós ;) Gostei muito da mensagem :)

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  2. A árvore ouvindo...
    Às vezes só falta mesmo quem ouça as palavras que não dizemos.
    Estes teus textos em formato de pequenos contos estão carregados de poesia e de beleza.

    um beijo

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  3. Fabuloso, simplesmente isso!

    Manuela

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  4. Desnudares-te nessa linguagem metafórica, tão cheia de imagens e felizes personificações, torna o teu recado tão expressivo e profundo que agarra quem o lê e fá-lo mergulhar na realidade sentida.

    Cris

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  5. Lindo Texto. Revestido de lindas imagens e significativas metáforas. Uma linda mensagem!
    Bjos.

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  6. Onde fica essa árvore? Acho que também estou a precisar de lá ir! Hihihi
    Agora falando a sério, este texto está de uma beleza enorme. Sente-se a mágoa da personagem e o conforto que a árvore lhe dá, com uma intensidade fantástica. É muito bonita a forma como dás vida aos elementos da Natureza. Como tudo é harmonioso naquele bosque!
    Parabéns.
    Bjo

    FC

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  7. Mística e muito bonita estória.
    A imagem é forte como se o rosto fosse do leitor.
    Bom, muito bom, diaba minha!
    Beijo!

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  8. Gostei deste final - "adormeceram por fim, enroladas num abraço cúmplice, terno e nocturno como a lua." - estes abraços têm um sabor único.

    Abraço

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