sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

GOURMANDISE











A gourmandise (a arte de bem comer), no caso de ser compartilhada, tem a mais profunda influência na felicidade da vida conjugal.

Dois esposos gourmands têm pelo menos uma ocasião diária para se reunirem, (mesmo os que dormem em camas separadas, e são muitos) têm possibilidade de comer à mesma mesa e sempre assunto de conversa.

Podem conversar sobre o que comem, como sobre o que comeram ou vão comer, assim como também acerca do que viram comer a outrem, dos pratos que estão na moda, das invenções recentes, etc.

É uma mesma necessidade que atrai os esposos para a mesa, é um mesmo desejo que os faz permanecer à mesa, têm de ter um para com o outro pequenas atenções que revelam a vontade de ser prestável. A forma como se passa a refeição influi muito na felicidade do resto da vida em comum.

Esta observação, entre nós bastante nova, não escapou porém ao moralista inglês Fielding que a desenvolveu no seu romance Pamela, mostrando o modo diverso como dois casais terminam o seu dia.
O primeiro é um lorde, primogénito, e portanto senhor de todos os bens da família.
O segundo é o seu irmão mais novo, marido de Pamela, deserdado por causa de ter casado com ela, vivendo de uma pequena pensão, num estado de pobreza que raia a indigência.
O lorde e a esposa encontram-se à noite, vindo cada um do seu lado, saúdam-se friamente, apesar de não se terem visto durante todo o dia.
Sentam-se à mesa esplendidamente posta, rodeados por lacaios cheios de dourados, servem-se em silêncio e comem sem prazer.
Só depois de os criados se retirarem é que eles entabulam uma espécie de conversa; não tarda a surgir um certo azedume que se transforma em discussão; levantam-se e vão, furibundos, cada um para os seus aposentos, meditando nas doçuras da viuvez.

O outro irmão, pelo contrário, chega à sua casa modesta, é acolhido com o mais terno entusiasmo e as mais doces carícias. Senta-se à mesa frugal... mas será possível que as iguarias que vai comer não sejam deliciosas? Foi a própria Pamela quem as cozinhou! Deliciados, vão comendo, falam das suas coisas, dos seus projectos, do seu amor. Meia garrafa de Madeira faz com que a refeição e a conversa se prolonguem um pouco mais; um mesmo leito os vai em breve receber; e, após os transportes de um amor compartilhado, um sono suavíssimo virá para lhes fazer esquecer o presente e os fazer sonhar num porvir melhor.

Honra à gourmandise, aquela que não afasta o homem das suas ocupações e fortuna.
Só quando a gourmandise se torna gula, voracidade, crápula, é que deixa de merecer o seu nome, e sai das nossas atribuições, passando para as do moralista que a tratará com os seus conselhos ou para as do médico que a curará com remédios.

A gourmandise, tal como o professor a trata, neste artigo, tem de ser chamada pelo seu nome francês; não pode ser designada pela palavra latina gula, nem pela inglesa gluttony, nem pela alemã lusternheit.
Aconselhamos portanto quem traduzir este livro instrutivo a conservar o substantivo, mudando apenas o artigo: todos os povos têm feito o mesmo com a palavra coquetterie e outras afins.



Brillat-Savarin, Jean Anthelme
in Physiologie du Gout,
ou Meditations de Gastronomie Transcendante...
Paris: Sautelet et Cie, 1826.




... Digam lá que o Diabo não sabe da poda.....

1 comentário:

  1. Mas é claro que sabe...este Diabo é guloooooooooooso!!!!!!! Ahahahahaha

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