quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Crepúsculo

Caminhava devagar, enterrando os pés na areia branca e morna, encantada com a beleza daquele crepúsculo. Havia momentos assim, sublimes, em que a Natureza fazia poesia com a exuberância das suas cores.
Apalpou o bolso, num gesto inconsciente, certificando-se que tinha trazido o seu passaporte para aquela viagem sem retorno. Ali, naquela praia deserta, tudo correria conforme desejava.
Reflectira muito até tomar aquela decisão, desde o dia em que recebera o resultado dos exames pedidos, após os primeiros sintomas de doença.
Simplesmente não conseguia conceber todo o sofrimento de ver o seu corpo destruído aos poucos ou de assistir diariamente à angústia da sua família e amigos. Preferia ser recordada no auge da sua beleza e juventude, como uma estrela cadente, de existência breve, mas que ainda assim lhes iluminara o céu.
A vida tinha sido boa até aí ... uma família fantástica e unida, êxito escolar e profissional e todo o amor e amizade recebidos. Mas simplesmente não aceitava ser um anjo caído, a quem já não seriam permitidos novos vôos.
No limiar daquele fim anunciado, pensava na relatividade do tempo e recordava momentos preciosos que embora breves, a tinham feito sonhar. Palavras doces, que outrora fizeram com que o tempo perdesse as horas e os minutos. Dias em que só havia lugar para sorrisos, carinhos e segredos. Durante um tempo tinha acreditado, mesmo quando a distância virou silêncio e o silêncio virou saudade. Intensamente sonhadora, adorava aquela cumplicidade que talvez fosse uma verdade só sua. Tinha rumado por trilhos de incertezas, na ânsia de um dia recordar tudo aquilo sem um peso no peito.
Finalmente tinha encontrado o seu equilíbrio, ao deixar de se procurar fora de si, em pedaços recortados ... um aqui, outro ali ...
Irónicamente, agora que conseguira descomplicar-se, tudo terminava!
Deixou o vento seduzi-la, sempre adorara a forma como o vento lhe tocava a pele e a despenteava... ao longe vozes, ... um grupo de vozinhas cristalinas e animadas. Sorte?! Azar?!
Tudo bem, não seria nesse dia. Lançaria o seu destino noutra maré. Agora iria beber um pouco do prazer de brincar com aquelas crianças, como se criança ainda fosse...
Ainda havia tempo.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Estes humanos!!


Este mundo está longe de ser justo! É cruel e priveligia de forma evidente os poderosos, corruptos e mentirosos.
A honestidade vale muito pouco. Aliás, a honestidade absoluta pode até prejudicar quem a pratica.
A solidão já é um estado de alma para a maioria e praticam-se actos comuns em climas de alta tensão.
Vivem-se amores sem existência real e sofrem-se desilusões com gentes de alma ausente. A maioria está à deriva em águas perigosas e marés traiçoeiras.
Por todo o lado se observa corrosão de ideais e de carácter. Vê-se gente (as crianças doem-me especialmente) a morrer de fome, de guerra e de doenças provocadas pela ganância alheia. Revolta-me ver os sonhos da humanidade feridos e corrompidos.
Como diria Thoreau, a maioria dos homens vive uma existência de tranquilo desespero.
Quanto a mim, recuso-me a entrar neste poço sem resistência! Vou fazendo voos mais tranquilos e no meu peito acalento um ideal sem preço!