segunda-feira, 31 de agosto de 2009

No meu sonho

No meu sonho, eu rodava quilómetro após quilómetro, sorrindo e cantando, olhando sem olhar, vendo sem ver, num calor de Verão apetecido e inventando mil paisagens no peito.
Sonhei que chegaste no teu fato em tons de cinza e anonimato.
Trazias nos olhos um calor feito de ternuras e saudades.
Mergulhaste intensamente num mar de abraços, embrulhados em desejo profundo. Devoramos palavras loucas, com o coração num galope enlouquecido.
Depois virei-me para o lado e ... continuei a sonhar.
Agora rodava de novo, engolindo quilómetros dilacerados, percorrendo o corredor de uma estrada desconhecida. Choviam lágrimas magoadas que não conseguia afastar e nas bermas daquela estrada, as flores não tinham cheiro.
Num silêncio gritante, tentava proibir o meu sonho de sonhar, com as coisas que não me pudeste dizer. Sonhei que este sonho era único e não tinha preço. E por fim, sonhei que já não morava dentro de mim.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Nero

Este era o Nero, um belíssimo exemplar de pastor alemão e o cão que toda a gente gostaria de ter.

Acho que ninguém lhe conseguia ficar indiferente. Era uma companhia perfeita!

Não falava, mas não tenho qualquer dúvida que nos entendia! Colocava a cabeça de lado e fazia o olhar mais doce que alguém possa imaginar, latia com mais ou menos entusiasmo, consoante o assunto era sério ou falado em tom de brincadeira e dava a patinha como se dissesse: entendo-te perfeitamente, estou contigo!
Era um cão carinhoso que guardava graúdos e miudos. Não me esqueço como ele andava em volta da piscina para não lhe escapar ninguém que estivesse dentro da água! Metia-se imediatamente na frente da minha filha quando ela se aproximava da borda da piscina e gania para avisar. Até saltou lá para dentro ao pensar que a dona se estava a afogar, quando ela resolveu fazer uma piscina debaixo da água. Simplesmente não havia igual. Era um cão que faria mudar de ideias qualquer um que não gostasse ou tivesse medo de cães.
Mas o Nero não era um cão qualquer. Era um cão com muita sorte, pois teve os melhores donos do mundo. Donos que se preocuparam em educá-lo e o estimavam como se fosse um membro da família. Ele era como uma criança bem educada, que nos olhava sem maldade, com doçura e pureza no olhar, tal como as crianças; que adorava que brincassem e falassem com ele, tal como as crianças; que gostava de pousar a cabeça no nosso colo e receber mimo, tal como as crianças. Eu nem o via como um cão. Quando lá ia a casa, o Nero era sempre o priemeiro a chegar para me receber, cheio de alegria e afeição. A afeição de um cão é sempre genuína. Nem consigo imaginar a tristeza dos seus donos, porque o Nero infelizmente faleceu. São meus amigos e pessoas fantásticas. Aliás, só pessoas fantásticas se dedicam assim a um animal. Eu era apenas uma amiga do Nero, mas sem dúvida nenhuma que o meu mundo e o das minhas filhas ficou mais pobre sem este cãozinho. Ele era uma fonte de alegria para todos os que com ele conviviam. Por isso escrevi este texto, queria prestar-lhe esta homenagem porque ele merecia!









sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Prémio frescura


Recebi este selo da Guizo, à qual agradeço muito!

E como é regra, passo a 8 blogueiros super-frescos:



Ao Pedro Viegas, porque o 1000 conversas é o blog mais lindo que conheço;

À Lídia Borges, pelo Seara de Versos, porque os seus poemas são divinos;

À JS, pelo Falamos depois sff, porque escreve com o coração e com sinceridade;

À Only Words, porque as suas reflexões são envolventes e pertinentes;

Ao Tio do Algarve, pelas lições de Hidráulica Aplicada, com os seus volantes de inércia:);

Ao Pedro Luso de Carvalho, pelo blog Panorama, muito se aprende com os seus posts, que são da melhor qualidade;

Ao Ricardo Valente, pelo seu Poema e Filosofia e os seus versos cheios de intensidade e

Ao Mago Merlim, pelos seus textos escritos com muito sentimento.



Espero que gostem de o receber. Beijos para todos:)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Feiticeira

Ela voava alegremente montada na sua vassoura, percorrendo céu, terra e submundo.
Feiticeira, pagã, rebelde, provocadora, caprichosa e emotiva.
Pelos quatro cantos do mundo colhia os elementos necessários aos seus feitiços e rituais. Transportava pétalas de rosa negra e folhas de manjericão; ervas doces e flores de maracujá; trevos de quatro folhas e essências de óleos perfumados.
Filha da Lua Cheia, fértil em feitiços, poções, rituais e magias atrevidas.
Ele era um mago reservado e temido. Dono de uns olhos escuros e penetrantes, tinha a capacidade de ler o pensamento alheio. Viajava no tempo fazendo magias poderosas. Dedicava-se ao estudo dos símbolos e da Astronomia, da materialização e da transfiguração, das tradições persas, egípcias e babilónicas. Era um estudioso da Alquimia Universal e a pedra basilar do seu clã.
Cruzaram-se em noite de renovação. Noite de eclipse, com os astros alinhados no céu, em jeito de sorte ou de catástrofe. Noite de grandes feitiços e magias loucas.
Ele fez círculos dentro de círculos, consultou os astros e auscultou o futuro.
Ela jogou no caldeirão as essências, os pós de sedução, pitadas de humor, grãos de alegria, sementes de paixão, notas musicais e estrelas da sorte. Depois rezou um encantamento antigo cuja receita herdara da avó.
Juntos, fizeram ao todo 1000 feitiços!
Ela guardou a sua poção em 12 pequenos frascos, enfeitados com as cores do arco íris e ofereceu-lhos, recomendando que bebesse um em cada primeiro dia do mês, exactamente na hora em que a Lua vinha render o Sol. Ele aceitou encantado e presenteou-a com um livro raro, cheio de encantamentos únicos e proibidos.
Num caldeirão de ferro forjado fizeram fortes magias. Transformaram em arte as emoções, acenderam o fogo da paixão e convidaram elfos, fadas e duendes para dançar em sua volta.
Juntaram o visível e o invisível. Foram luz e sombra num equilíbrio perfeito.
Sons encantados percorreram o Universo. Os corvos despertaram, incomodados com a força daquela magia e piaram estridentes, acordando o lado sombrio do disco lunar.
Rajadas de vento poderosas cruzaram os céus cortando pela raíz os 1000 feitiços. Apenas lhes restou transformarem-se, na protecção de um abraço encantado.
Muitos anos passaram e quem hoje cruza aquele bosque, jura que vê num dos ramos da árvore mais elegante de uma clareira, uma gata preta de olhos claros miando tranquilamente, junto a um urso pardo que lhe lambe o pelo luzidio com ternura.
Mas em noites de luar, nessas noites em que a Lua parece um balão, ninguém ousa entrar naquela clareira. Conta-se que há um caldeirão em cima de uma fogueira e que árvores, fadas, duendes e elfos, fazem uma dança ao som de uns cânticos estranhos, numa língua desconhecida. No centro encontra-se um urso a dançar a valsa com uma gata no colo e no meio da dança, urso e gata renascem homem e mulher do útero da Grande Mãe Terra!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A árvore

Quem segue pelo bosque, levando jeito de cigana no andar?
Desliza entre o arvoredo, com os cabelos a voar na brisa. A sua expressão é triste, leva na face o brilho das lágrimas. No entanto tem nos olhos a força da luta e a garra próprias da vitória. Caminha com um misto de convicção e doçura.

Entra numa clareira e detém-se, procurando algo que me escapa. Acaba por pousar as suas mãos, pequenas e morenas numa árvore imponente e majestosa. Vejo a árvore acordar lentamente e a envolvê-la com os seus braços cheios de verde folhagem. Os ramos oscilam chamando o vento e juntos sopram-lhe canções de embalar.

Ela enrosca-se naquele abraço e repousa, como se ali encontrasse o colo que tanto procura e lhe falta. Fala baixinho e a árvore escuta aquela filha, cheia de carinho e atenção. Ela conta-lhe a história das suas lutas e mostra-lhe como os seus sonhos são bonitos e cheios de poesia. E a árvore escuta...

Muda de espanto vejo como a árvore a aconselha, como de certeza já fez a todas as almas que a procuraram. Quantos lamentos já não terá ouvido, quantos conselhos não terá dado, sorrindo, reconhecendo aqui e ali os mesmos sinais, o mesmo desvario. A árvore desfolha o seu livro de memórias e conta-lhe que o amor e a paixão podem ser como farpas atravessadas. Ensina-lhe como se pode morrer numa morte lenta, no desejo. Mas também como se podem abafar gritos com beijos e transformar incertezas em segurança. Conta-lhe que todos têm direito aos seus sonhos e a não deixar que o tempo os devore, tal como devora todos os seus filhos.

Então aquela árvore, do alto da sua experiência secular, consultou a lua como se fosse uma bola de cristal e revelou-lhe que o seu futuro estava envolto num segredo; que nesse segredo estava a ponta do medo; que esse medo devorava os beijos deixando silêncios...

Depois entoou cânticos mágicos e proibidos e jogou búzios para lhe mudar a sorte.

Aquela árvore rezou ao sol, que é tão poderoso que até ilumina os dias, que amaciasse o caminho daquela filha.

Ambas adormeceram por fim, enroladas num abraço cúmplice, terno e nocturno como a lua.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Enquanto durmo, um fantasma vadia na noite.
Vem enrolado numa capa escura que lhe esconde o rosto.
Passa várias vezes sob a janela do meu quarto, ganhando coragem para entrar. Acaba por se insinuar furtivamente no meu sono sem pedir licença e invade os meus sonhos com gestos e palavras de encantamento.
De alguma forma eu sei que este fantasma é a minha perdição! Murmura-me ao ouvido segredos doidos que me atordoam e me deixam sem ar. Lança feitiços que me quebram resistências e rolam-me gotas de água pelo corpo que não sei se são devidas à febre que me percorre, ou se são lágrimas que ele deixa cair. Chora por me roubar a paz, mas todas as noites vem, em busca de uma entrega sem limites. A mágoa que vejo nos seus olhos aperta-me o coração.
Até que a lua que o trouxe lança os últimos raios anunciando a partida, assim como a passarada anuncia o amanhecer com o seu canto.
E ele parte com a lua, viajando pela noite entre o vento e o nevoeiro. Deixa-me num sopro que me embriaga e devolve a um sonho, do qual acordo com saudade.
Prendo com força no peito, a vontade de partir para onde o vento o levou.
Para onde foi o meu fantasma?!

sábado, 8 de agosto de 2009

As cores do silêncio

O sol derretia lentamente a sua cor dourada naquele entardecer. A noite foi chegando, como convidada sempre esperada, acompanhada pelas últimas pinceladas de azul. As estrelas começaram a formar o seu mapa brilhante, de sonhos atirados ao ar e por cumprir.


Nesta noite meditava nos silêncios. Haviam silêncios de todas as cores, que entravam pela pele e chegavam à alma. Alguns eram azuis, chegavam perfumados e cristalinos. Eram silêncios de bem estar e harmonia, daqueles que dispensam as palavras vãs. A esses guardava-os numa caixinha bonita, toda enfeitada, cheia de pequenos tesouros. Outros pesavam como chumbo no peito e afogavam o coração. Eram silêncios cinzentos, escuros e agrestes. Cada silêncio tinha uma cor própria.


E num silêncio de cor ainda indefinida, procurava dentro de si a própria luz, fugindo dos reflexos enganadores da lua caprichosa, sempre inconstante e insatisfeita.


Reflectia em como a vida podia ser fértil e bela, se se criassem as condições para tal e em como o silêncio próprio do conformismo nunca tinha pautado os seus dias. Nunca se tinha habituado a viver numa mesmice confortável e conveniente. Preferia a intensidade, a energia era demasiada para ficar presa em silêncios de cores enevoadas...


E neste bosque de sonhos e devaneios, mergulharam os últimos murmúrios da consciência. Todas as sensações foram anestesiadas pela serenidade daquela noite de Verão, onde até os silêncios dormiam.